(Exame)
João Pedro Malar
Publicado em 28 de julho de 2023, 09h00.
O banco digital Inter está entre os selecionados pelo Banco Central para participar da fase de testes com o piloto do Real Digital. E executivos da instituição acreditam que o projeto pode servir como um "habilitador de inovação" para o sistema financeiro, em especial para os bancos. Nesse segmento, eles esperam que haja um caso de uso mais imediato, voltado para a área de backoffice.
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Em entrevista exclusiva à EXAME, Guilherme Ximenes de Almeida, CTO do Inter, e Daniel Abraão, Superintendente de TI do Inter, destacaram que, apesar do banco estudar a tecnologia blockchain e suas aplicações há muitos anos, ainda havia pouca aplicação prática para as operações da instituição. Isso deve mudar com a criação de uma moeda digital de banco central (CBDC, na sigla em inglês).
Almeida explica que, no caso de blockchain, "era falado que a tecnologia era bacana, mas sem caso de uso. Nós estudamos ela desde 2017 e concluímos que é uma tecnologia para ser usada em grupo. O Inter sozinho chegou a pensar em criar pontos de blockchains, token próprio, mas a gente tem essa visão do grupo. E agora o Banco Central virou um centralizador para reunir as instituições, esse grupo".
Para o CTO do Inter, uma das primeiras grandes entregas que o Real Digital deverá ter é representar "a primeira vez de fato de ter um produto que o cliente possa usar" envolvendo a tecnologia blockchain. Ao mesmo tempo, o processo de criação, incluindo a fase de piloto, servirá como um aprendizado para o banco em aspectos como criação de nós no blockchain e como trocar informações na rede escolhida preservando a privacidade dos clientes.
Já Abraão observa que a fase de testes será uma "oportunidade para participar do estabelecimento, da regulação e dos meios que vão viabilizar a utilização em massa de tecnologias blockchain, que hoje ainda são um pouco marginalizadas. O tema é discutido há alguns anos, mas distante do sistema financeiro nacional. Por não ter o lastro do dinheiro, governança maior, acabava impedindo que fizesse parte do dia a dia dos brasileiros".
Ele vê o Real Digital como uma "oportunidade para trazer" a tecnologia para a realidade e, ao mesmo tempo, como um "habilitador de inovação em inúmeros aspectos". "O blockchain tende a distribuir processamento, validações, descentralizar um pouco as coisas. Vai habilitar negócios nas pontas e para bancos e instituições financeiras, que vão poder construir soluções tokenizadas em cima disso em larga escala e permitir que a economia avance".
O superintendente também vê um benefício direto do projeto para o Inter ao "manter e reforçar o posicionamento [do Inter] como contribuidor para a disrupção do sistema financeiro nacional. O Inter participou de todos os grandes movimentos que o Banco Central propôs na última década, nuvem, Pix , ajudando na definição, e agora reforça isso mais uma vez. O projeto gera benefícios para todos, em especial de redução de custos".
Almeida acredita que ainda vai ser preciso entender "onde a eficiência vai ser gerada no sistema" com o Real Digital, mas que a ferramenta "promete bastante". Com o projeto, ele acredita que vai ser o "momento do backoffice brilhar". "Quando pensa em inovar, criar novos produtos, tecnologia, o backoffice geralmente fica de lado, sempre foca em aplicativos, interface do usuário. O Real Digital e blockchain vem para trabalhar exatamente essa área de backoffice, trazer mais eficiência".
Nesse sentido, Abraão comenta que "os maiores interessados no projeto são os profissionais ligados à tesouraria. Existe essa demanda, eles querem muito ver a inovação chegando para eles. Ainda tem processos manuais, de ligações telefônicas, mais demorados, com risco, menos previsibilidade. São os maiores interessados nas primeiras fases, e devem ser os mais beneficiados no curto prazo".
"Hoje existe o Pix, que trouxe essa eficiência para a ponta, cidadãos no geral, mas a parte de backoffice dos bancos ainda é carente de evolução, inovação", avalia.
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Quais os desafios?
Para o superintende de TI do Inter, um dos principais desafios ligados ao Real Digital será cumprir o "exercício de inovação" que ele demanda, com toda uma "tecnologia de ponta" envolvida. "É uma dinâmica bem complexa, envolve fatores de programação e infraestrutura que são bem inovadores para quem já está em tecnologia, para quem não está ainda mais. Vai deixar uma série de aprendizados que poderão ser aplicados".
Por isso, ele acredita que o projeto vai exigir um "nivelamento técnico" em muitos negócios. "São temas distantes da realidade da população em geral. E pensando em equipe de tecnologia, até no Banco Central, não faz parte do dia a dia. Envolve uma tradução a ser feita, bem ampla, e é necessário que as pessoas tenham um conhecimento técnico avançado em programação, computação em nuvem, sistema financeiro em geral", afirma.
Já para a população, ele observa que os requisitos por trás do Real Digital ainda não foram definidos e estão postos em debate na fase de testes, para "entender o que vai usar lá na frente". "Depois disso, o desafio é ganhar escalar, e como o mercado vai receber isso, com os casos de uso mais aderentes. Existe uma barreira de legislação ainda, até pensando nessa tokenização, tem que ver a viabilidade jurídica".
Em relação à tokenização,o CTO do Inter observa que é preciso entender como vai funcionar o processo. "Uma das possibilidades que pensamos é ter carteira de imóveis grandes, e aí como pegar, tokenizar e lançar um fundo desses ativos? No momento, os casos de uso parecem mais um brainstorm, faltam discussões de como colocar na prática e gerar valor", defende.
"Hoje alguns pontos associados ao Real Digital o banco de dados já consegue resolver, então falta mostrar onde está o valor de tokenizar", ressalta. Uma das vantagens, pondera, é a capacidade de "vender para mais clientes ao tokenizar, dar mais acesso a instrumentos de investimentos que hoje não estão disponíveis".
Outro desafio, diz Almeida, é a necessidade de "migrar esses novos processos para o blockchain. E precisa entender a questão da escala, como usar a nova tecnologia mantendo o volume financeiro gigantesco atual".
Nesse caso, Abraão comenta que "o próprio Banco Central também, sabendo de parte dessas dificuldades têm proposto esse debate a nível de tesouraria,de ter reserva bancária, isso tangibiliza essa discussão, entrega um caso de uso bem mais claro".